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O que auditámos?
A desertificação é definida como a degradação dos solos em zonas áridas, semiáridas e sub húmidas secas, resultante de vários fatores, incluindo as variações climáticas e as atividades humanas. Em Portugal o fenómeno da desertificação tem vindo a aumentar, considerando-se que 58% do território do Continente é suscetível à desertificação, sobretudo nas áreas do sul e do interior centro e norte. As previsões, designadamente quanto a alterações climáticas, tornam expectável o acentuar dos riscos de desertificação no nosso país.
O Programa de Ação Nacional de Combate à Desertificação (PANCD) visa enfrentar os riscos de desertificação em Portugal, sendo o instrumento nacional de operacionalização da Convenção das Nações Unidas de Combate à Desertificação (CNUCD). A auditoria apreciou este Programa, na versão revista de 2014, ao nível da sua conceção, execução e monitorização, tendo em vista apurar se o mesmo contribui de forma eficaz para o combate à desertificação em Portugal.
O que concluímos?
A conceção do PANCD (2014) assentou num diagnóstico adequado e inclui objetivos e linhas de ação que abordam os principais riscos de desertificação em Portugal. Contudo, não identificou as concretas ações a desenvolver, as entidades e as áreas de governação responsáveis pela sua execução, o respetivo calendário, o custo envolvido e a articulação com os programas/fundos suscetíveis de financiar as ações necessárias, não tendo uma verdadeira natureza de programa ou plano de ação.
Pretendeu-se que o PANCD fosse um instrumento a ser concretizado através de outros programas e estratégias com ele relacionados, como, por exemplo, a gestão das florestas ou a gestão da água, tendo-se observado que a problemática da desertificação e a estratégia para o seu combate são efetivamente reconhecidas e incorporadas em várias outras políticas nacionais. No entanto, para além de nalgumas áreas importantes também faltar operacionalização, o caráter disseminado das ações necessárias à concretização do PANCD, a par da falta de acompanhamento, comprometem a operacionalidade e eficácia das medidas destinadas a um efetivo combate à desertificação no país.
As estruturas de governação do PANCD revelaram-se ineficazes. A Comissão Nacional de Coordenação não cumpriu as suas atribuições, por falta de recursos humanos e financeiros, e o Observatório Nacional da Desertificação nunca foi operacionalizado, o que não permitiu assegurar a monitorização do Programa e dos respetivos resultados nem sistematizar o conhecimento sobre desertificação.
Para acompanhamento e avaliação do Programa, foi definida uma matriz de indicadores relevante, embora complexa. No entanto, como a informação não é recolhida de forma sistemática e não foram produzidas análises ou avaliações sobre a execução do Programa, não se conhece o estado de execução atual do PANCD e não se consegue determinar a sua eficácia.
Os Fundos Europeus e, em particular, o Programa de Desenvolvimento Rural (PDR 2020), constituíram as principais linhas de concretização e financiamento dos objetivos do PANCD. O PDR 2020 tem financiado medidas que se apresentam como relevantes para o combate à desertificação, tais como medidas agroambientais e climáticas, auxílio a zonas desfavorecidas, medidas florestais e investimentos em regadio. A despesa programada em medidas relacionadas é de 2.795 milhões de euros para o período de programação de 2014-2020. No entanto, a informação disponível não permite identificar os valores concretos afetos especificamente ao PANCD.
No âmbito da atribuição dos apoios do PDR 2020, a preconizada diferenciação positiva de projetos localizados em áreas suscetíveis à desertificação revelou-se pouco consistente e com um impacto diminuto, embora em relação aos projetos analisados se tenha concluído sobre a relevância dos investimentos para os objetivos.
Não obstante haver recolha de dados pertinentes, não foi ainda implementado um sistema de monitorização permanente e atualizado que permita analisar e interpretar continuamente a dimensão e os riscos de desertificação e degradação dos solos em Portugal.
A Agenda 2030 das Nações Unidas, em 2015, e a estratégia posteriormente revista da CNUCD, ambas subscritas por Portugal, consagraram um compromisso de alcançar em 2030 a neutralidade da degradação do solo (Meta 15.3 dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS)). Não foram porém ainda definidas estratégias ou medidas nacionais para cumprimento dessa meta, o que aponta para um risco significativo de não cumprimento do referido compromisso.
O que recomendamos?
Tendo especialmente em conta a pertinência do combate à desertificação para a estratégia de financiamento europeu relativa ao próximo período de programação de 2021 2027, bem como a necessidade de cumprir os compromissos assumidos no quadro da Agenda 2030 das Nações Unidas, destacam-se as recomendações aos Ministros da Agricultura Florestas e Desenvolvimento Rural e do Ambiente e da Transição Energética, para diligenciarem no sentido de:
- Rever o PANCD, com especial ênfase para: alinhamento com os compromissos assumidos internacionalmente; especificação das concretas ações a desenvolver, das entidades responsáveis pela sua implementação, da respetiva calendarização, dos custos e das fontes de financiamento; composição, competências, financiamento e operacionalização das estruturas de coordenação do programa; e efetiva implementação de um sistema de monitorização da execução do programa, que assegure a produção de relatórios de progresso e avaliações periódicas;
- Introduzir marcadores no âmbito dos vários instrumentos de concretização do PANCD, designadamente nos programas de financiamento europeu, que permitam isolar as medidas que concorrem para o combate à desertificação, respetivos custos e resultados;
- Concretizar mecanismos mais eficazes de incentivo e diferenciação positiva para os investimentos que contribuam para o combate à desertificação e à degradação dos solos;
- Implementar e divulgar um sistema de acompanhamento permanente e atualizado da desertificação e da degradação dos solos em Portugal;
- Promover a aprovação de legislação adequada à proteção dos solos, prevenção da contaminação e respetiva remediação;
- Definir as metas, estratégia, medidas e sistema de monitorização para alcançar a neutralidade na degradação dos solos nacionais, conforme compromisso assumido no quadro do ODS 15 da Agenda 2030.
À Comissão Nacional de Coordenação de Combate à Desertificação e ao Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas foi recomendado, entre outros aspetos, o reforço dos meios humanos afetos à execução e acompanhamento do PANCD, por forma a favorecer a sua eficácia; a realização de todas as atribuições da CNCCD; a operacionalização do Observatório Nacional da Desertificação ou de estrutura equivalente resultante da revisão do Programa; a conclusão da plataforma digital relativa ao programa com revisão da matriz de indicadores, das fontes de informação e dos procedimentos de reporte respetivos; e a atualização do sítio web respeitante ao PANCD, assegurando a transmissão de conhecimento sobre a desertificação e degradação de solos em Portugal.
Relatório nº 19/2019 - 2ª Secção
2019-09-03
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