» O TRIBUNAL DE CONTAS NA REFORMA DE SALAZAR
(25 de Outubro de 1930 -1976)
 
 

 

A partir de 1928, Oliveira Salazar, então Ministro das Finanças, inicia uma série de reformas tendentes a reorganização financeira do Estado e que se traduzem, nomeadamente, na regulamentação geral da Contabilidade Pública (Decreto nº. 18.381, de 24 de Maio de 1930), seguindo-se em 25 de Outubro desse mesmo ano a criação do Tribunal de Contas (Decreto nº. 18.962), reorganizado três anos depois pelo Decreto com força de lei nº.22.257, de 25 de Fevereiro de 1933.

A política de reformas então encetada revelava preocupação pela situação financeira do país, sobretudo pela evidente necessidade de uma melhor administração dos dinheiros públicos e da sua fiscalização de modo a prevenir irregularidades e desperdícios de gestão.

Na sequência dessas reformas e extinto pelo Decreto nº. 18.962, de 25 de Outubro de 1930, o Conselho Superior de Finanças, órgão de fiscalização de despesas públicas e julgamento de contas então existente e restaurado o Tribunal de Contas, denominação que ainda hoje se mantém, dotando-o de maior poder e atribuições, de modo a corresponder as exigências da nova contabilidade pública.

0 relatório que serve de introdução ao referido diploma legal esclarece que a denominação «Conselho Superior de Finanças» não diz nada, como nada dizia, ou muito pouco, o anterior «Conselho Superior de Administração Financeira do Estado»: "preferiu-se, assim, a antiga denominação de Tribunal de Contas, não por ser antiga, mas por ser a melhor e mais própria".

É então o Tribunal de Contas inicialmente composto por um Presidente e oito vogais, sendo seis deles escolhidos entre indivíduos possuidores de formação em Direito ou Ciências Económicas ou ainda altos funcionários familiarizados com os assuntos da competência do Tribunal, completando-se o seu número com dois vogais representantes dos Ministérios da Guerra e da Marinha.

A nomeação do Presidente e de todos os vogais competia ao Ministro das Finanças, devendo um deles, também por nomeação do Governo e por um período de três anos, exercer as funções de Vice-Presidente. Os vogais representantes do Exército e da Armada seriam nomeados mediante indicação dos respectivos ministérios.

Da sua composição são então eliminadas as representações parlamentares e as associações económicas, por se entender que para o desempenho das funções que incubem a um vogal de uma instituição desta natureza se tornam necessários requisitos que podem não ser compatíveis com a qualidade de membros do Congresso ou representantes das referidas associações; antes deverão ser diplomados em cursos superiores adequados ou especializados em certas funções publicas.

A jurisdição do Tribunal de Contas abrange então todo o território nacional, incluindo as colónias e serviços portugueses no estrangeiro e é exercida sobre todos os responsáveis para com a Fazenda Pública, quer civis quer militares, no que respeita ao julgamento de contas. 0 serviço de «visto» e também inteiramente remodelado, determinando-se que todos os decretos sujeitos ao visto 1he sejam submetidos depois de referenciados pelo Ministro competente e antes de apresentados ao Presidente da República, estabelecendo-se igualmente que apenas o Conselho de Ministros, em decreto fundamentado, se possa sobrepor a uma decisão do Tribunal que tenha recusado o «visto».

Passados cerca de três anos, um gorado projecto de lei orgânica e regimento fornece os elementos para a publicação do Decreto nº. 22.257, de 25 de Fevereiro de 1933, que reorganiza o Tribunal de Contas, retirando-1he o caracter experimental que restava na sua primitiva constituição e definindo-o como um órgão, constituído por juizes, com todas as respectivas prerrogativas, dotado de funções de «controle» independente sobre os aspectos fundamentais da actividade financeira. É então dotado de independência e inamovibilidade pelos julgamentos e reforçada a sua equiparação a Supremo Tribunal de Justiça, já estipulada no Decreto da sua criação.

Podemos concluir que a reforma do Tribunal de Contas, encetada em termos legislativos em 1930, a que se sucederam diplomas diversos impostos pela necessidade de progressivamente definir as suas funções e competências, permitiu dotar esta instituição dos principais meios e linhas de actuação, que ainda hoje se mantém. Porém, ao longo do tempo, a ausência de modificações verdadeiramente significativas que permitissem adaptar o seu funcionamento e actividade a evolução verificada a nivel de Tribunais de Contas e a realidade do país veio a resultar numa certa desactualização e num deficiente quadro normativo, que apenas a Constituição de 1976 vira começar a alterar, conferindo a esta instituição um importante papel e dotando-a de novas atribuições que contrastam profundamente com a legislação que regia, desde os anos 30, a instituição.

De facto, foi esta Constituição que atribuiu ao Tribunal de Contas uma nova dimensão, não só integrando-o no âmbito dos Tribunais e definindo a sua competência, como estabelecendo uma forma especial de nomeação do seu Presidente - passou a ser feita pelo Presidente da República, sob proposta do Governo (caso único, a par do Procurador-Geral da República, no texto original da Constituição de 1976). A nível internaciona1, desde 1953, que a INTOSAI (Organização Internacional de Instituições Superiores de Controlo Externo das Finanças Publicas) vem dirigindo aos seus Membros sucessivas recomendações, no sentido de aperfeiçoarem e ampliarem o controlo das despesas públicas que 1hes compete. Entre essas recomendações, merece particular destaque a formulada em 1977, no Congresso de Lima, segundo a qual "ao controlo tradicional da legalidade e regularidade da gestão e da contabilidade, se deve juntar um controlo orientado para a rentabilidade, a eficácia, a economicidade e a eficiência das acções do Estado, abarcando, não apenas cada caso de gestão individual, mas também a actividade tota1 da Administração, incluindo a sua organização e sistemas administrativos".

Esta recomendação tem hoje expressão jurídica na quase totalidade dos países da Comunidade Europeia e no próprio Tratado de Roma, lei fundamental das Comunidades, relativamente ao Tribunal de Contas da Comunidade Europeia. A resistência à mesma constituiu um dos factores de arcaísmo do sistema financeiro português.