A partir de 1928,
Oliveira Salazar, então Ministro das Finanças, inicia uma série de reformas
tendentes a reorganização financeira do Estado e que se traduzem,
nomeadamente, na regulamentação geral da Contabilidade Pública (Decreto nº.
18.381, de 24 de Maio de 1930), seguindo-se em 25 de Outubro desse mesmo ano a
criação do Tribunal de Contas (Decreto nº. 18.962), reorganizado três anos
depois pelo Decreto com força de lei nº.22.257, de 25 de Fevereiro de 1933.
A política de reformas
então encetada revelava preocupação pela situação financeira do país,
sobretudo pela evidente necessidade de uma melhor administração dos dinheiros
públicos e da sua fiscalização de modo a prevenir irregularidades e desperdícios
de gestão.
Na sequência dessas
reformas e extinto pelo Decreto nº. 18.962, de 25 de Outubro de 1930, o
Conselho Superior de Finanças, órgão de fiscalização de despesas públicas
e julgamento de contas então existente e restaurado o Tribunal de Contas,
denominação que ainda hoje se mantém, dotando-o de maior poder e atribuições,
de modo a corresponder as exigências da nova contabilidade pública.
0 relatório que serve
de introdução ao referido diploma legal esclarece que a denominação «Conselho
Superior de Finanças» não diz nada, como nada dizia, ou muito pouco, o
anterior «Conselho Superior de Administração Financeira do Estado»:
"preferiu-se, assim, a antiga denominação de Tribunal de Contas, não por
ser antiga, mas por ser a melhor e mais própria".
É então o Tribunal de
Contas inicialmente composto por um Presidente e oito vogais, sendo seis deles
escolhidos entre indivíduos possuidores de formação em Direito ou Ciências
Económicas ou ainda altos funcionários familiarizados com os assuntos da
competência do Tribunal, completando-se o seu número com dois vogais
representantes dos Ministérios da Guerra e da Marinha.
A nomeação do
Presidente e de todos os vogais competia ao Ministro das Finanças, devendo um
deles, também por nomeação do Governo e por um período de três anos,
exercer as funções de Vice-Presidente. Os vogais representantes do Exército e
da Armada seriam nomeados mediante indicação dos respectivos ministérios.
Da sua composição são
então eliminadas as representações parlamentares e as associações económicas,
por se entender que para o desempenho das funções que incubem a um vogal de
uma instituição desta natureza se tornam necessários requisitos que podem não
ser compatíveis com a qualidade de membros do Congresso ou representantes das
referidas associações; antes deverão ser diplomados em cursos superiores
adequados ou especializados em certas funções publicas.
A jurisdição do
Tribunal de Contas abrange então todo o território nacional, incluindo as colónias
e serviços portugueses no estrangeiro e é exercida sobre todos os responsáveis
para com a Fazenda Pública, quer civis quer militares, no que respeita ao
julgamento de contas. 0 serviço de «visto» e também inteiramente remodelado,
determinando-se que todos os decretos sujeitos ao visto 1he sejam submetidos
depois de referenciados pelo Ministro competente e antes de apresentados ao
Presidente da República, estabelecendo-se igualmente que apenas o Conselho de
Ministros, em decreto fundamentado, se possa sobrepor a uma decisão do Tribunal
que tenha recusado o «visto».
Passados cerca de três
anos, um gorado projecto de lei orgânica e regimento fornece os elementos para
a publicação do Decreto nº. 22.257, de 25 de Fevereiro de 1933, que
reorganiza o Tribunal de Contas, retirando-1he o caracter experimental que
restava na sua primitiva constituição e definindo-o como um órgão, constituído
por juizes, com todas as respectivas prerrogativas, dotado de funções de «controle»
independente sobre os aspectos fundamentais da actividade financeira. É então
dotado de independência e inamovibilidade pelos julgamentos e reforçada a sua
equiparação a Supremo Tribunal de Justiça, já estipulada no Decreto da sua
criação.
Podemos concluir que a
reforma do Tribunal de Contas, encetada em termos legislativos em 1930, a que se
sucederam diplomas diversos impostos pela necessidade de progressivamente
definir as suas funções e competências, permitiu dotar esta instituição dos
principais meios e linhas de actuação, que ainda hoje se mantém. Porém, ao
longo do tempo, a ausência de modificações verdadeiramente significativas que
permitissem adaptar o seu funcionamento e actividade a evolução verificada a
nivel de Tribunais de Contas e a realidade do país veio a resultar numa certa
desactualização e num deficiente quadro normativo, que apenas a Constituição
de 1976 vira começar a alterar, conferindo a esta instituição um importante
papel e dotando-a de novas atribuições que contrastam profundamente com a
legislação que regia, desde os anos 30, a instituição.
De facto, foi esta
Constituição que atribuiu ao Tribunal de Contas uma nova dimensão, não só
integrando-o no âmbito dos Tribunais e definindo a sua competência, como
estabelecendo uma forma especial de nomeação do seu Presidente - passou a ser
feita pelo Presidente da República, sob proposta do Governo (caso único, a par
do Procurador-Geral da República, no texto original da Constituição de 1976).
A nível internaciona1, desde 1953, que a INTOSAI (Organização Internacional
de Instituições Superiores de Controlo Externo das Finanças Publicas) vem
dirigindo aos seus Membros sucessivas recomendações, no sentido de aperfeiçoarem
e ampliarem o controlo das despesas públicas que 1hes compete. Entre essas
recomendações, merece particular destaque a formulada em 1977, no Congresso de
Lima, segundo a qual "ao controlo tradicional da legalidade e regularidade
da gestão e da contabilidade, se deve juntar um controlo orientado para a
rentabilidade, a eficácia, a economicidade e a eficiência das acções do
Estado, abarcando, não apenas cada caso de gestão individual, mas também a
actividade tota1 da Administração, incluindo a sua organização e sistemas
administrativos".
Esta recomendação tem
hoje expressão jurídica na quase totalidade dos países da Comunidade Europeia
e no próprio Tratado de Roma, lei fundamental das Comunidades, relativamente ao
Tribunal de Contas da Comunidade Europeia. A resistência à mesma constituiu um
dos factores de arcaísmo do sistema financeiro português.